domingo, 23 de outubro de 2016

Redescobrindo a Bahiminas

Em uma rápida viagem ao Vale do Mucuri, na última semana, tive  a sorte de passar de carro no leito da antiga Estrada de Ferro Bahia-Minas, entre as cidades de Teófilo Otoni e Ladainha. A partir da rodovia que liga Teófilo Otoni a Sucanga, ainda se podem ver restos da ferrovia em Sucanga. A estação e alguns prédios ainda estão de pé. Infelizmente não tive tempo para buscar restos da ferrovia, mas a estação perto da estrada por onde passei, ainda está de pé:


Estação de Sucanga, hoje biblioteca municipal. 



Saindo da cidade de Sucanga, no caminho para Caporanga, a estrada de terra é o antigo leito da ferrovia. Lá pude registrar algumas imagens. Apesar de já terem se passado 51 anos desde sua erradicação, há ainda muitos elementos que lembram a existência da ferrovia, como casas de ferroviários:



Casa em Sucanga com detalhes na fachada


A maioria das casas está em mau estado de conservação


Algumas dessas casas expõem a imponente sigla EFBM com letras estilizadas, lembrando o passado glorioso, como o detalhe da foto mostra:




A própria estrada plana lembra a ferrovia, pois passa por rochedos e barrancos que foram recortados para viabilizar a instalação da linha:






Além da paisagem talhada, há um belíssimo pontilhão próximo à estação de Caporanga, que também está de pé:





A estação de Caporanga está bem conservada, assim como o prédio próximo a ela, que deve ter sido da administração e hoje serve como escola.



Estação de Caporanga e o leito - hoje estrada de autos - órfão dos trilhos


Prédio da ferrovia próximo à estação de Sucanga: hoje é uma escola


Chegando em Ladainha, é possível ainda ver a pequena e linda estação de Açari. Pena que seu estado não é dos melhores.




Parada Açari (outubro de 2016)


Um pouco mais adiante, mais casas da região que mostram detalhes característicos de casas de ferroviários. Na beira da estrada, alguns prédios de serviço da ferrovia, entre eles, um bonito, mas mal conservado prédio:



Veja os detalhes na fachada e na lateral da construção

Continuando na estrada, de cujo leito  os trilhos foram criminosamente arrancados em 1965, o viajante pode ver a linda e imponente Pedra de Ladainha, uma das atrações da cidade:


Leito da ferrovia e a Pedra de Ladainha 


Depois de um tempo, à direita, está a usina Wenefredo Portela. Nela está a barragem do rio Mucuri do Norte. Com ela, a usina gerava energia para as oficinas e para a cidade. Ao pé da linda pedra de Ladainha, ela guarda ainda os geradores de energia, único maquinário que foi deixado na cidade quando passou o último trem, acarranca-trilhos. Em Ladainha, me contaram que os puseram para funcionar há pouco tempo.
Junto à usina e à represa rodeada de mata há um bosque em que pude ver pelo menos dois jaracatiazeiros adultos que carregam de frutos uma vez ao ano.


Usina Wenefredo Portela ao pé do rochedo de Ladainha. 


Depois de passar pela barragem e pela Ilha dos Caras (que não pude fotografar, mas vale a pena conhecer, mesmo que de longe), surge o lindo pontilhão sobre o rio Mucuri do Norte represado:


Pontilhão de Ladainha e a barragem do rio Mucuri do Norte. 


                                                     
                                                     Hoje o pontilhão serve à estrada de rodagem que leva à cidade


No centro da cidade, a bonita estação serve como posto de polícia, rodoviária e lanchonete:




Ladainha é talvez a cidade que mais guarda lembranças da EFBM. Além da estação, na cidade ainda se pode ver a fachada das oficinas da ferrovia e os prédios adjacentes, como o almoxarifado e o cinema, todo em madeira. O prédio da ferrovia se transformou, infelizmente, num ginásio poliesportivo. Nada contra o esporte em si, mas não vejo qualquer relação entre a antiga ferrovia e a quadra que há lá hoje para justificar a intervenção feita na construção. Se sua estrutura tivesse sido mantida, o prédio poderia abrigar de novo uma oficina de veículos ferroviários, caso exista um dia vontade política de reativar um trecho da ferrovia, ou mesmo um museu sobre a Bahiminas, coisa que ainda é inexistente, inacreditavelmente.


Prédio onde funcionava o almoxarifado


Detalhe de parte da fachada



Glorioso cinema, destruído por dentro quando a linha foi arrancada, padece com o tempo. 



Próximo à fachada das oficinas, existe ainda os prédios do almoxarifado e a caixa-d´água que abastecia as locomotivas no pátio, sufocada por uma construção recente que quase a toca:


Caixa sem iluminação e sem o portão sob o reservatório



Caixa d'água e o assédio da construção ao lado. Precisava mesmo ser tão perto?


Quando a ferrovia estava ativa, essa caixa d'água ficava no meio do pátio e não havia nenhuma construção ao seu lado, como mostra a foto abaixo. A caixa está mais à esquerda do portão principal do prédio das oficinas:

(Autor desconhecido)


Foto mais recente (outubro de 2016) da fachada das oficinas 


Detalhe da lateral direita das oficinas dentro de que está o prédio intacto da subestação da ferrovia. 


A abertura lateral à direita que dá acesso à subestação se encontra hoje fechada com um portão de tela, para proteger os ônibus que são lá guardados. Não pude fazer minha própria foto da fachada porque quando estava lá havia dois caminhões parados em frente a ela, tampando a entrada para a subestação. 

Próximo à caixa d'água e ao lado das oficinas, mais a esquerda na foto, ainda está de pé a subestação da energia elétrica que era gerada na barragem do rio Mucuri do Norte e que ainda hoje represa o rio.  O terreno onde está a subestação serve hoje como garagem de ônibus (claro, só podiam ser os ônibus, sempre no caminho dos trens neste país...):





Na fachada da subestação, além da sigla original EFBM, há a sigla da VFCO (Viação Férrea Centro-Oeste), pintada em vermelho (Essa ferrovia foi criada para incorporar a EFBM, a RMV e a EFG (estrada de Ferro Goiás). Transformada em ramal da VFCO, sem ao menos ter ligação com ela, a EFBM pôde ser erradicada; essa foi a maneira legal encontrada pelos militares para acabar com a ferrovia). Na subestação, ainda há restos dos equipamentos e até mesmo restos de uma ponte ou de algum pilar das oficinas:


Prédio da subestação da EFBM






Equipamento no interior da subestação


Ferragens em frente à subestação: restos de ponte ou de alguma estrutura das oficinas


Saindo de Ladainha, fui para Teófilo Otoni para pegar o ônibus para Belo Horizonte. Como o próximo carro saía às 22h, deu tempo de correr à praça da cidade e fotografar a Jiovanna, exposta como se fosse a Pojixá, a primeira locomotiva da ferrovia. A Jiovanna foi restaurada cosmeticamente após o fechamento da ferrovia com o objetivo de atuar como estátua e simbolizar a primeira locomotiva da estrada de ferro:





Deu dó ver o estado lastimável da locomotiva. Impressionante ver que a única locomotiva restante da ferrovia esteja tão mal cuidada e praticamente o único material rodante de expressão esteja nessas condições. Nela há pontos de ferrugem e há peças faltando, como a lente do farol e os pega-mãos da caldeira. A peça que recobre a caixa de pistãos está dependurada e a mangueira de ar do tênder foi cortada por algum vândalo. O cheiro de fezes ao seu redor é muito forte, o que indica que ela deve estar sendo usada como moradia e como banheiro de mendigos. 





Detalhe da mangueira de ar que foi cortada
Ao retornar para a rodoviária, tirei uma foto do pátio que é o mesmo que fora o pátio da Bahiminas:


Entrada e saída de ônibus de onde funciona a rodoviária de Teófilo Otoni


 Meu objetivo era contrastar a foto atual com a mais antiga que mostro mais abaixo, de autor que ignoro, tirada com a ferrovia ainda ativa:



                                       Saída do pátio de Teófilo Otoni para Sucanga/Araçuaí (autor desconhecido)

Minha ideia inicial era de que a entrada atual da rodoviária fosse a mesma abertura que se vê no registro fotográfico mais antigo. Porém, a partir da boa conversa que tive com Rogério, funcionário do guarda-volumes da rodoviária, e da comparação que fiz quando cheguei em casa, percebi a a abertura da fotografia antiga era a parte da rodoviária que foi fechada após a erradicação da ferrovia. O pátio de Teófilo Otoni, cujo muro é o mesmo da rodoviária, tinha duas aberturas, uma oposta à outra; uma no sentido Sucanga/Araçuaí e outra no sentido Pedro Versiani/Ponta de Areia. A foto que tirei da entrada da rodoviária é a abertura neste último sentido, talvez por isso a cabine visível no lado esquerdo não corresponda à da fotografia antiga. As construções que se veem ao fundo do prédio azul da minha foto são provavelmente parte do prédio longo que se vê atrás do galpão de duas portas na foto antiga. Esse prédio longo ao fundo até hoje permanece na rodoviária, mas sua fachada mostra pilares que sustentavam a outra parte que foi provavelmente demolida. Na foto antiga, o galpão de duas portas e o menor ao seu lado mais à esquerda na foto antiga foram demolidos. Deles, só restaram as dos arrimos e as pedras do pisos, que certamente correspondem aos restos que mostro nas fotos abaixo.  



Entrada e saída de ônibus da rodoviária de Teófilo Otoni: antiga saída para Pedro Versiani/Ponta de Areia



Os dois galpões mais à direita na foto acima correspondem ao prédio longo que se vê na foto antiga, atrás do galpão de duas portas. Note-se o detalhe dos pilares de sustentação à mostra na fachada. 


No plano de fundo da foto, dá para ver as marcas de alicerces dos prédios demolidos. O muro ao fundo era aberto e correspondia à abertura vista na foto antiga do pátio. 


Piso de um dos prédios demolidos. 

Por fim, encontrei no pátio da rodoviária grades de esgodo feitas com trilhos leves, provavelmente os mesmos arrancados do pátio da ferrovia quando da erradicação. 





Na foto acima, um detalhe do trilho de uma das grades de esgoto à mostra no piso da rodoviária: na época da erradicação, trilhos eram o material que provavelmente não faltava na região.

Terminada a viagem a uma parte das terras da Bahiminas, a sensação foi de que há ainda muito a documentar sobre a ferrovia. Obras de arte, artefatos e princiapalmente relatos de quem a testemunhou em atividade ficarão aguardando  uma próxima viagem à região para que eu possa compor uma próxima publicação sobre o tema, espero que mais completa.















Um comentário:

  1. Que belo blog! Curiosamente eu conheço bem a outra extremidade dessa ferrovia, de Teófilo Otoni a Pinta de Areia. Parabéns pela iniciativa.

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