sábado, 21 de julho de 2018

O Trem das cachoeiras

(An english version of this text is available here)

O Trem das Cachoeiras foi um trem turístico que rodou na cidade de Rio Acima (MG) por quatro anos. O trem era formado por uma pequena locomotiva alemã que tracionava três vagões de passageiros e percorria um trecho de 7km entre uma ponta e outra da linha, passando pela estação de Rio Acima mais ou menos no centro do percurso.

O trem era composto por uma locomotiva a vapor e três carros de passageiros, um deles panorâmico, com janelas de vidros grandes. 

Locomotiva Elizabeth I deixando a estação em direção a Honório Bicalho. Fotografia 
de autor desconhecido (Disponível em http://crat.com.br)

Ao embarcar, os passageiros descobriam que a menção a cachoeiras no nome não tinha a ver com o trajeto, o que de alguma frustrava um pouco. O nome era apenas uma menção às muitas cachoeiras da região e homenageava três delas, uma em cada vagão: vagão 01 'Samsa', vagão 02 'Chicadona' e vagão 03 'Véu da Noiva'. 



                                             Carro 02 'Chicadona' em frente à estação. Fotografia: autor anônimo 
                                                                    (Disponível em http://crat.com.br)


No trajeto, a locomotiva saía de ré tracionando os carros no sentido Belo Horizonte até o desvio que existe a pouco mais de um quilômetro à frente perto da garagem da locomotiva. Lá, a locomotiva manobrava, tomando o outro lado da composição e voltava de frente, passando pela estação, até sair da cidade onde passava num pontilhão sobre o rio até chegar perto do fim da linha. Lá, fazia outra manobra e tomava novamente o outro lado do trem, saindo de ré até a estação, ponto final do passeio, e esperava outra leva de passageiros.


Máquina manobrando no desvio próximo à estação
Fotografia Campos 2014


Pode-se dizer que a criação desse trem foi, entre alguns outros poucos exemplos, rara no país nas últimas décadas. A linha, da Central do Brasil, conhecida como linha do centro, serviu aos trens de subúrbio da RFFSA até setembro de 1996, quando os trens de passageiros da Rede cessaram suas atividades na cidade e no país. De lá, até 2011 permaneceu abandonada, quando um empresário da região decidiu implantar um trem turístico. Para isso, ele procurou a ABPF e recuperou o trecho da antiga linha, comprou a locomotiva e os vagões.

Locomotiva Elisabeth tracionado carros de paasageiros em frente à estação
Fotografia Campos 2014

Placa lateral da locomotiva Elisabeth
Fotografia Campos 2014


A locomotiva usada no trem era uma máquina alemã de configuração 0-4-0 (Orenstein und Koppel AK) de 1924. Batizada de Elisabeth I, ela estava abandonada há anos em Timbaúba em Pernambuco após ter tracionado trens de cana-de-açúcar em usinas da região até ser recuperada por uma empresa de São Paulo, quando foi adquirida pelo projeto de trem turístico.


Locomotiva Elisabeth antes de ser reformada. 
Fotografia: Perez (2006). Inventário das locomotivas a vapor no Brasil. 

Locomotiva Elisabeth antes de ser reformada em outro ângulo. 
Foto: Perez (2006). Inventário das locomotivas a vapor no Brasil. 

Fotografia (Autor anônimo) disponível em (O Tempo 03/09/2013)



O trem funcionou durante cinco anos e atraiu muitos turistas para a cidade. Havia uma promessa de que os trilhos fossem prolongados para que o Trem das Cachoeiras pudesse chegar até Nova Lima. Para isso, cogitava-se a compra de outra locomotiva da Paraíba que seria também reformada para trabalhar com a Elisabeth I. A ideia da extensão,porém, não vingou. 

O trem foi uma iniciativa tomada por um grupo privado CRAT (Centro de Referência Ambiental e Turística) em acordo com a prefeitura da cidade e deveria funcionar por dez anos a partir da sua criação. A partir de 2015, houve um desentendimento com a prefeitura e desde então parou de rodar em definito, uma lástima.






sábado, 19 de maio de 2018

A Estrada de Ferro Morro Velho (EFMV)

Quem passa na estrada MG030 em direção a Nova Lima já deve ter notado a presença discreta de locomotivas e de vagões estáticos e também de uma escavadeira nos canteiros próximos à rodovia. Esse material pertenceu à mineradora de ouro Morro Velho (St. John d'El Rei Mining Company Ltd), atualmente Anglo Gold Ashanti Ltd. 

As locomotivas e os vagões especificamente eram da Estrada de Ferro Morro Velho (EFMV). A ferrovia foi aberta pela empresa para transporte de carga e de empregados para a mina. A linha foi criada entre 1913 e 1914 e ligava os municípios de Raposos e de Nova Lima, servindo também à população dessas cidades com trens de passageiros. 

Composição de passageiros com a igreja de Nossa Senhora do Rosário (Nova Lima) ao fundo 
(Foto de Earl Clark, divulgada no excelente site de Allen Morrison)


A ferrovia iniciou as atividades eletrificada em toda sua extensão,sendo a segunda do país a usar eletricidade para mover seus trens depois da Estrada de Ferro Corcovado no Rio de Janeiro. Segundo artigo de Ralph Giesbrecht, há uma divergência entre duas fontes  - Stiel e Morrison de um lado e Pimenta de outro - em relação ao ano de abertura da via. A respeito dessa divergência, o pesquisador Allen Morrison, em artigo publicado em seu site, sugere, baseado nesses dados, que a linha teria iniciado as atividades em 1913 e a extensão completa da linha teria sido aberta em 1914.

 A linha tinha bitola de 0,66 m e partia da estação de Raposos, junto à Estrada de Ferro Central do Brasil. A referida estação tinha duas plataformas. Junto a uma delas, passava a linha da Central do Brasil que vinha de Belo Horizonte em direção ao Rio de Janeiro. Do outro lado, a estação servia à linha da EFMV e seguia 9,5 km até a cidade de Nova Lima. Entre Raposos e Nova Lima, a ferrovia favorecia um povoado chamado de Galo onde havia uma estação e uma fábrica de arsênio da mineradora. Essa estrada de ferro foi criada para facilitar o transporte de materiais e de funcionários da mineradora desde a linha da EFCB até a mina de Morro Velho. Embora servisse à empresa de mineração, seus trens transportavam a população em geral em viagens que aconteciam a cada 40 minutos. Com a abertura de uma estrada rodoviária de Belo Horizonte até Nova Lima, o transporte de passageiros da EFMV foi perdendo, paulatinamente, sua importância entre os anos 50 e 60 e foi mantido pela empresa até 1964 quando foi desativado. Como houve protestos dos funcionários e ameaças de greve contra o fechamento, a prefeitura de Nova Lima assumiu o controle da ferrovia que voltou então a funcionar em 1965 por mais cinco anos, exclusivamente com transporte de passageiros, quando foi desativada em definitivo em 1970 com a erradicação total da linha. 


Estação de raposos entre a linha da EFMV à esquerda e a linha da EFCB à direita
(Foto de Earl Clark divulgada no excelente site de Allen Morrison)


Pequena locomotiva elétrica prestes a tracionar dois carros de passageiros, enquanto 
funcionário ajusta o  contato do pantógrafo com a rede elétrica.  (Foto de Earl Clark 
divulgada no excelente site de Allen Morrison)


Embora houvesse a intenção de preservação da linha, a ideia não foi concretizada. Em parte do leito da antiga ferrovia, corre hoje a rodovia AMG 150. Se a linha ainda existisse, seria sem dúvida uma atração turística para as cidades que a abrigavam. 

Sobre a EFMV, há três ótimas referências nas quais este artigo apenas se baseou:















quarta-feira, 2 de maio de 2018

52 anos sem a Bahiminas: nota sobre a locomotiva 281

Neste mês de maio, completam-se 52 anos da extinção da Estrada de Ferro Bahia e Minas. A ferrovia foi oficialmente extinta em 1965, quando foi anexada à VFCO como se fosse um ramal, mas continuou funcionando por mais um ano até sua desativação em 1966 e permaneceu fisicamente em alguns trechos por cerca de dois anos no processo de erradicação dos trilhos, de 1966 até 1968. 

Como já comentei em artigo anterior (aqui), numa canetada, desconsiderando o contexto da região, o governo militar destruiu em cerca de dois anos uma obra que durou 61 anos para ser concluída à custa de muito trabalho e de vidas humanas. Inaugurada em maio de 1881, a Bahiminas partiu de Ponta de Areia, na Bahia, em direção a Minas Gerais, onde alcançou Araçuaí em 1942, fim da linha dos seus 578 quilômetros que funcionaram ininterruptamente até 66, por coincidência também no mês de maio. Procurei em várias fontes a data exata do fim das atividades da ferrovia ou do decreto que a extinguiu, mas só encontrei menção ao mês. 

Para relembrar a triste data, postei três imagens da locomotiva 281, as duas primeiras num momento de alegria e de festa em que aparece orgulhosamente enfeitada, junto a maquinistas, parada em frente a uma estação, tracionando trem de passageiros. 

281 enfeitada em trem de passageiros em frete a uma estação
(Fonte: Mucuri Cutural)


281 na mesma situação acima de outro ângulo
(Fonte: desconhecida)


No outro momento, a mesma locomotiva, em Ladainha, já sem limpa-trilhos e aparentemente com farol menor, em tarefa menos brilhante, na erradicação do "ramal", ajudando a eliminar a linha em que nunca mais rodaria, puxando vagões-gôndola carregados trilhos em direção a Teófilo Otoni onde seriam embarcados em carretas e levados para fundições. Ela, a 281, e possivelmente todas as outras locomotivas da ferrovia teriam o mesmo destino após o corte (com exceção de uma, que hoje jaz como estátua na praça Tiradentes em Teófilo Otoni):

281 em Ladainha durante a erradicação da linha
(Fonte: Ladainha, nossa história)
Triste aniversário.