quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Redescobrindo a Bahiminas II: Carlos Chagas


Entre Natal e ano novo, passei por Carlos Chagas e, como não podia deixar de ser, procurei, no exíguo tempo de que dispunha, por traços da Bahiminas.

Cheguei à noite à cidade e, ao descer do carro, encontrei, à minha frente, um tronco enorme do que me informaram depois ser de Peroba-do-campo. A tora de madeira fica exposta na praça da avenida principal, local onde se estendia a linha da ferrovia e hoje passa uma avenida. Segundo meu informante, troncos assim desciam boiando o rio Mucuri para ser embarcados nos vagões plataformas da Bahiminas. De Carlos Chagas, seguiam até Caravelas de onde iam de navio para outros lugares.



Peroba-do-campo na praça de Carlos Chagas


Triste foi descobrir que, fora o velho tronco exposto na praça, não há mais traços que lembrem a ferrovia na cidade. A estação (na foto com o nome de Presidente Getúlio), no quilômetro 234 da ferrovia, foi criminosamente demolida, provavelmente nos anos 80, para a construção de um fórum. Junto a ele, há uma placa laudando políticos pela construção do edifício, mas não há menção à estação ou à estrada que lhe cedeu o espaço. A data de inauguração, 1981, sugere que a estação tenha sido demolida entre os anos 70 e o início dos anos 80. Moradores da cidade me informaram que a estação de Mangalô, lugarejo próximo de Carlos Chagas, ainda está de pé, mas não pude ir até lá dessa vez.


Estação de Carlos Chagas, demolida para construção de fórum
Fonte: http://www.estacoesferroviarias.com.br/baiminas/carlos.htm


Fórum (à esquerda), construído no lugar da estação e a 
avenida, no leito da linha




Placa que informa a construção do fórum, mas omite a destruição 
do patrimônio histórico


Permanecem na cidade alguns prédios antigos, que testemunharam os trilhos. Com fachadas típicas de edifícios de ferroviários, muitas delas são ocultadas pelas placas dos estabelecimentos comerciais e dos vários açougues que as ocupam. A capital do boi, título que as estátuas bovinas na praça e no acesso à cidade relembram, embarca, porém, suas cargas-vivas em caminhões agora, e não mais em trens. Os três prédios abaixo estão na beira da linha férrea avenida:




Nesta fachada, os círculos vazados lembram rodas de trem




Estátuas de bois na avenida, antigo leito da ferrovia, lembram a vocação pecuária do município

O que vi em Carlos Chagas em relação à Bahiminas é reflexo do que acontece no Brasil inteiro relativamente à nossa história. É natural que um país que não valorize a educação do seu povo apague a história recente em favor de tendências momentâneas que são vinculadas ao que se chama vulgarmente de progresso. Curioso é que nessa busca pelo chamado progresso, hoje componente até do mote do atual governo, não eleito, foi retirado da população o que havia de melhor em transporte de cargas e de passageiros (realidade em muitos países com IDH mais alto), os trens. Em seu lugar, são valorizados sistemas de ônibus ineficientes e carros particulares. Outrora detentor de uma extensa malha ferroviária em que trens de passageiros e bondes ligavam bairros, municípios e estados, o país oferece hoje à população duas alternativas de locomoção terrestre, ambas concorrendo de forma bem perigosa com carretas nas rodovias, o carro particular, e o ônibus. Infelizmente quem acaba chacoalhando nos veículos da última opção é justo a população mais carente, por ironia, a mais favorecida no passado pelos bondes (os hoje cobiçados VLTs) e trens de passageiros e, na atualidade, pelos raros VLTs (a versão moderna dos bondes), nos poucos metrôs de algumas capitais e nos dois trens de passageiros da Vale. Uma lástima.