Entre Natal e ano novo, passei por Carlos Chagas e, como não podia deixar de ser, procurei, no exíguo tempo de que dispunha, por traços da Bahiminas.
Cheguei à noite à cidade e, ao descer do carro, encontrei, à minha frente, um tronco enorme do que me informaram depois ser de Peroba-do-campo. A tora de madeira fica exposta na praça da avenida principal, local onde se estendia a linha da ferrovia e hoje passa uma avenida. Segundo meu informante, troncos assim desciam boiando o rio Mucuri para ser embarcados nos vagões plataformas da Bahiminas. De Carlos Chagas, seguiam até Caravelas de onde iam de navio para outros lugares.
Peroba-do-campo na praça de Carlos Chagas
Triste foi descobrir que, fora o velho tronco exposto na praça, não há mais traços que lembrem a ferrovia na cidade. A estação (na foto com o nome de Presidente Getúlio), no quilômetro 234 da ferrovia, foi criminosamente demolida, provavelmente nos anos 80, para a construção de um fórum. Junto a ele, há uma placa laudando políticos pela construção do edifício, mas não há menção à estação ou à estrada que lhe cedeu o espaço. A data de inauguração, 1981, sugere que a estação tenha sido demolida entre os anos 70 e o início dos anos 80. Moradores da cidade me informaram que a estação de Mangalô, lugarejo próximo de Carlos Chagas, ainda está de pé, mas não pude ir até lá dessa vez.
Permanecem na cidade alguns prédios antigos, que testemunharam os trilhos. Com fachadas típicas de edifícios de ferroviários, muitas delas são ocultadas pelas placas dos estabelecimentos comerciais e dos vários açougues que as ocupam. A capital do boi, título que as estátuas bovinas na praça e no acesso à cidade relembram, embarca, porém, suas cargas-vivas em caminhões agora, e não mais em trens. Os três prédios abaixo estão na beira da linha férrea avenida:
O que vi em Carlos Chagas em relação à Bahiminas é reflexo do que acontece no Brasil inteiro relativamente à nossa história. É natural que um país que não valorize a educação do seu povo apague a história recente em favor de tendências momentâneas que são vinculadas ao que se chama vulgarmente de progresso. Curioso é que nessa busca pelo chamado progresso, hoje componente até do mote do atual governo, não eleito, foi retirado da população o que havia de melhor em transporte de cargas e de passageiros (realidade em muitos países com IDH mais alto), os trens. Em seu lugar, são valorizados sistemas de ônibus ineficientes e carros particulares. Outrora detentor de uma extensa malha ferroviária em que trens de passageiros e bondes ligavam bairros, municípios e estados, o país oferece hoje à população duas alternativas de locomoção terrestre, ambas concorrendo de forma bem perigosa com carretas nas rodovias, o carro particular, e o ônibus. Infelizmente quem acaba chacoalhando nos veículos da última opção é justo a população mais carente, por ironia, a mais favorecida no passado pelos bondes (os hoje cobiçados VLTs) e trens de passageiros e, na atualidade, pelos raros VLTs (a versão moderna dos bondes), nos poucos metrôs de algumas capitais e nos dois trens de passageiros da Vale. Uma lástima.
Estação de Carlos Chagas, demolida para construção de fórum
Fonte: http://www.estacoesferroviarias.com.br/baiminas/carlos.htm
Fórum (à esquerda), construído no lugar da estação e a
avenida, no leito da linha
Placa que informa a construção do fórum, mas omite a destruição
do patrimônio histórico
Nesta fachada, os círculos vazados lembram rodas de trem
Estátuas de bois na avenida, antigo leito da ferrovia, lembram a vocação pecuária do município